Musicoterapia

A música, quando utilizada em contextos clínicos, pode ser um instrumento importante na construção de um espaço para a relação mãe-bebê. O ato de a mãe cantar músicas que sejam significativas para a relação entre ela e seu filho fortalecem os laços afetivos entre os dois.

A musicoterapia já é uma terapêutica reconhecida como benéfica nos casos de fortalecimento do vínculo mãe-bebê, sendo utilizada em alguns programas de Humanização da Assistência Hospitalar.

TEORIA PSICANALÍTICA E MUSICOTERAPIA

A fim de buscar referencial teórico para a discussão dos resultados será feita uma breve relação entre a Psicanálise e a Musicoterapia, assim como a interlocução de conhecimentos destas áreas.

Como a música, a psicanálise é um desenvolvimento que não privilegia nem a realidade psíquica nem a realidade material. Ambas dependem, como portas de entrada, das impressões sensoriais e transcendem este nível. Talvez estejamos às voltas com algo tão impossível de ser nomeado e compreendido, mas passível de ser intuído e experimentado, que a analogia pode ser feita com a energia transcendendo, relacionada à velocidade da luz, o seu estado de matéria. Nesta transcendência, adentram ao desconhecido que provavelmente se relaciona ao próprio desconhecido da vida. (SANDLER, 2002, p.1).

A música é considerada um instrumento para a auto expressão emocional e uma forma de liberação, através do não verbal, de conteúdos do inconsciente. Com a ajuda de um terapeuta, a pessoa pode utilizar a música como um canal expressivo para descarregar a pressão de emoções dolorosas. WRIGHT e PRIESTLEY (in: RUUD, 2000, p. 42).

MILLECCO (2001, p. 92) desenvolveu a partir da experiência clínica, uma técnica musicoterápica chamada ?músico-verbal?. Um dos critérios básicos estabelecidos nesta técnica é o experimento ou associação livre, que é feita quando o terapeuta canta, executa ou assobia canções trazidas pelo cliente, solicitando-lhe que, de olhos fechados, sonhe acordado ou deixe fluir livremente, imagens, ideias, emoções. Para CHAGAS (in: MILLECCO, 2001, p. 93), ?o canto do terapeuta é o suporte para entrega por parte de seus clientes. Estes, regredindo emocionalmente a fases primárias de sua vida, sentem-se protegidos pela canção trazida pelo terapeuta?. A música pode ser usada como uma ponte entre o mundo interno e o mundo externo, onde a realidade é compartilhada com as demais pessoas. Segundo BOGOMOLETZ (2000, p.1).

A MÚSICA NO ESPAÇO TRANSICIONAL

Os fenômenos sonoros estão presentes desde a vida intra-uterina até a morte e exercem grande influência biológica e emocional nos seres humanos. As alterações emocionais da mãe podem, por exemplo, provocar mudanças em sua frequência cardíaca e respiração, com isso alterando também os sons do corpo, como o andamento rítmico das batidas cardíacas e o aumento da intensidade do volume do som do ar passando pelas vias aéreas. Alterações como estas transmitem sensações ao bebê, que podem ser sensações de medo ou de segurança. Segundo BARCELLOS (1992, p. 11), ?estudos comprovam que o feto percebe, inicialmente através do corpo todo, isto é, através do seu sistema tátil, e posteriormente já através do ouvido, sons e ritmos que fazem parte do universo corporal da mãe?.

Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, em reflexão sobre a vida intra-uterina do bebê, referindo-se à possibilidade significativa da percepção e registro dos sons corporais maternos pelo feto, afirma que:

Os batimentos cardíacos, a respiração, os ruídos produzidos pelo processo digestivo incipiente sistema sensório do feto. Tanto assim é, que ele diz ter observado bebês brincando de ?acertar seu ritmo respiratório com a frequência cardíaca (por exemplo, respirando uma vez a cada 4 batimentos cardíacos). Algum tempo depois é possível encontrá-lo (ao bebê) lidando com a diferença entre o seu ritmo respiratório e o da mãe, procurando talvez criar situações de relacionamento baseadas primeiramente numa respiração de frequência dupla ou tripla?. ("Natureza Humana", pág. 168). (in: BOGOMOLETZ, 2000, p.1).

Em seus estudos sobre a relação mãe-criança, Winnicott criou o conceito de Espaço Transicional, que constitui em um espaço intermediário entre a subjetividade e a objetividade. Este espaço é como uma área de ilusão, deixando em suspenso a distinção entre realidade e fantasia. Segundo VOLICH (2000, p.244):

A criança, e, ulteriormente o adulto, podem reencontrar esse espaço potencial por ocasião de certas atividades que implicam uma não integração momentânea do ?eu?. Esses processos referem-se ao brincar, à criação artística, e outros semelhantes. Podemos, porém considerar que a existência desse espaço transicional é também fundamental quando da vivência de experiências desintegradas de sofrimento e do desconhecido, inevitavelmente presentes nas situações terapêuticas e de ensino.

A MÚSICA NA RELAÇÃO MÃE-BEBÊ

A música, quando utilizada em contextos clínicos, pode ser um instrumento importante na construção de um espaço para a relação mãe-bebê. O ato de a mãe cantar músicas que sejam significativas para a relação entre ela e seu filho fortalece os laços afetivos entre os dois. STAHLSCHMIDT (in: ROHENKOHL, 2002, p. 261) diz que:

Quer canções escolhidas, quer canções compostas especialmente em homenagem ao bebê, estas funcionam, aparentemente, como ilustrações do papel de espelho da mãe, descrito por Winnicott (1975) como uma das primeiras formas de percepção do bebê sobre si mesmo, a partir do que observa quando olha para a mãe e esta demonstra, em seu olhar, como o percebe.

Ao escutar uma música, a pessoa sente-se escutada por esta, como uma relação de se fazer compreendido. Acalantos são cantados por mães para embalar seus filhos, criando um clima afetivo de segurança, geralmente associado ao contato corporal. As cantigas de ninar que as mães cantam para seus bebês podem ter função lúdica. A função lúdica ocorre na área de transicionalidade (Winnicott), citada anteriormente e, neste momento, acontecem trocas significativas na relação mãe-bebê, pois a mãe pode brincar e curtir o bebê. Para Winnicott (2003), a brincadeira pode servir como um meio de resolução de conflitos internos. O brincar é um recurso para lidar com sentimentos de angústia e ansiedade, fatores constituintes e, muitas vezes, dominantes da atividade lúdica.

Outra função dos acalantos é permitir à mãe a melhor elaboração da separação durante a hora de dormir. O adormecimento representa um intervalo, um corte no encantamento recíproco mãe-bebê. A entoação da voz da mãe com acalantos deixa a sensação de proteção ao sono do bebê. Esta mãe, que funda no bebê a sensação de um dormir sereno, é caracterizada como uma ?Mãe Suficientemente Boa? 4, capaz de estar disponível e continente para o seu bebê e, ao mesmo tempo, realizar um suporte para que ele se estruture psiquicamente como um ser único conseguindo assim, fechar os olhos e dormir mesmo ao cessar do acalanto.

Os acalantos, canções infantis ou canções que façam parte da identidade sonora da mãe, fortalecem o vínculo mãe-bebê, como é possível observar na constatação de FRACALOSSI (2003, p. 9) à partir de atendimentos musicoterápicos com mães de prematuros:

A música que elas gostam, diz mais delas. As músicas que gostam, provavelmente, ouviam durante a gestação, sendo também as que os bebês estão mais familiarizados. O quê a mãe ouve e sente é o quê o bebê também ouve e sente.